terça-feira, 26 de maio de 2009

Registro – Rio de Janeiro, 675 Km (4 abastecimentos).

Finalmente eu estava na etapa final da viagem. Embora o trecho nesse dia fosse tão longo quanto o trecho anterior; ele seria, contudo, realizado totalmente em estradas duplicadas e privatizadas. O problema é que o novo pneu traseiro limitaria muito o desempenho da moto nessas estradas abertas.

Ao amanhecer, constatei que o tempo estava instável, chovera à noite e seguramente pegaria chuva na estrada.

Após o café da manhã e do ritual de arrumação da moto, parti para estrada por volta das dez horas. Não vesti a capa de chuva, pois além dela ser uma porcaria, pareceu-me não haver risco de chuva forte, afinal, nesta etapa não estava muito preocupado em ficar um pouco molhado, porque eu sabia que no Rio o tempo estava bom, portanto, chegaria seco em casa.

O que me preocupava era o fato de viajar em um feriadão. A dolorosa experiência na Argentina na semana santa não fora esquecida. Em dias assim, com feriado nacional, as estradas ficam repletas de idiotas imprudentes e motoristas domingueiros inexperientes, que somados aos idiotas habituais criam as tristes estatísticas de trânsito que conhecemos.

Logo no início da viagem na Regis Bittencourt a chuva aparecia de quando em quando, às vezes um pouco mais forte, contudo, em um trecho de subida o trânsito ficou totalmente engarrafado por conta de um acidente em uma carreta (que estava sendo saqueada...), além do excesso de veículos em ambas as direções da rodovia. Nesse trecho, a chuva ficou mais forte, mas segui assim mesmo sem capa de chuva. Durante o trajeto um motorista domingueiro me deu uma fechada muito perigosa, mas adotando direção defensiva pude frear com segurança.

Mais próximo à São Paulo o tempo melhorou e o vento se encarregou de secar minha calça jeans e a jaqueta de couro, aproveitei para almoçar em uma churrascaria e abastecer pela segunda vez.

Errei a entrada do rodoanel, pois não havia sinalização para entrar na Via Dutra e tive que entrar dentro de São Paulo até a Marginal Pinheiros; dali segui para excelente Rodovia Carvalho Pinto, onde fui parado pela PM de SP. Essa rodovia estava cheia por conta dos paulistas que se dirigiam ao litoral norte de SP e ganhei uma nova fechada de um domingueiro que ainda se achou ofendido no seu inalienável direito em mudar de faixa repentinamente sem olhar no retrovisor e sem acionar a seta! Em suma, um idiota!

Novamente errei a saída da Carvalho Pinto (dessa vez por desatenção) e tive que entrar em Taubaté para finalmente alcançar a Via Dutra.

Na Via Dutra próximo a Taubaté abasteci em um posto que fornece gasolina Podium da BR: uma raridade na Via Dutra.

Na velha conhecida Via Dutra o trânsito estava normal e sem retenções e, como sempre, repleta de caminhões que chateiam muito quando decidem fazer ultrapassagens em câmera-lenta a 82 Km/h os outros caminhões que estão a 80 Km/h...

Após cruzar a divisa do Rio de Janeiro às dezenove horas, parei próximo à Barra Mansa para o abastecimento final antes de descer a Serra das Araras, pois não pretendia abastecer nos perigosos trechos próximos à periferia do Rio à noite.

Logo que saí da Via Dutra e entrei na Linha Vermelha um violento temporal começou. Chuva boa, do tipo que molha totalmente a cueca! E o pior é que eu estava sem capa e sem qualquer possibilidade de parar na perigosíssima Linha Vermelha, bem conhecida pelos assaltos e latrocínios, para vesti-la.

Tive de pilotar naquele violento temporal com baixa visibilidade, que já dava sinais de inundação em alguns trechos da pista e fizeram alguns carros pararem; tendo concluído oficialmente a minha aventura coast to coast, totalmente ensopado, no dia 1º de maio às vinte e uma horas.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

30/04/09 Erechim- Registro, 690 Km (três abastecimentos).

De manhã, após nova saraivada de perguntas sobre a viagem, arrumei a bagagem para seguir viagem para Registro em SP.

Os próximos dois dias se resumiriam a um simples retorno ao Rio, sem qualquer apelo turístico. Esse trecho seria longo e cansativo uma vez que cruzaria quatro estados em um único dia (RS, SC, PR e SP).

Decidi parar em Registro porque queria evitar Curitiba e São Paulo: duas cidades grandes e estressantes demais para entrar.

A estrada RS 135 é bastante razoável e um trecho de muitas curvas foi uma alegria para mim, pois estava farto das retas argentinas e gaúchas. Foi um imenso prazer voltar a fazer o pêndulo naquelas curvas.

Na BR153 em SC o asfalto se torna muito ruim, com muitos desníveis e calombos resultantes da má conservação e do peso dos caminhões, dessa vez ao menos estava pilotando ali à luz do dia, pois lembro como foi angustiante cruzar aquele trecho à noite na ida para o Chile.

Em SC parei em um pequeno museu na estrada no município de Irani, onde ocorreu a primeira batalha da chamada Guerra do Contestado (ou Guerra dos Pelados), que uniu diversos camponeses de SC contra o governo republicano no início do século XX.

Tal conflito foi fundamental na delimitação de terras entre o PR e SC.

Infelizmente, o pequeno museu estava fechado... Apenas pude ver o pequeno cemitério onde foram sepultados os mortos dessa batalha inclusive o líder dos revoltosos. Pareceu-me que tal cemitério é bastante freqüentado pela população local, pois vi várias lápides ornamentadas com flores ali colocadas recentemente.

Próximo à chamada Rodovia do Xisto no PR o asfalto é ruim, havia muitas obras e a estrada estava bastante cheia; já era noite e próximo a Curitiba a temperatura caiu drasticamente.

Em Curitiba além do frio intenso, o trânsito estava muito pesado, pois era véspera de feriado. Redobrei a atenção e foi um pouco difícil encontrar a saída para a Regis Bittencourt.

Parei em um posto para melhor me agasalhar e constatei que o Shampoo havia caído bem em cima das minhas luvas fechadas para o frio... Além disso, era complicado colocar a segunda pele para as pernas em um banheiro imundo. Tive que me contentar com um pulôver sob a jaqueta para seguir viagem.

Um vento constante me fez temer uma frente fria com chuvas, mas o percurso até Registro foi feito dentro do esperado; a Regis Bittencourt é uma rodovia duplicada e o asfalto melhorou muito, sendo seguro viajar a noite.

Cheguei exausto em Registro e logo encontrei um hotel bastante razoável. A temperatura também havia subido em SP, tornando a viagem menos sofrida, porém uma chuva fina reforçou minhas suspeitas de uma frente fria.

29/04/09 São Miguel das Missões – Erechim, 295 Km. (dois abastecimentos).























Pela manhã fui conhecer as impressionantes ruínas da cidade de São Miguel das Missões, que fora a capital do chamado Território das Reduções, habitado pelos Guaranis aculturados e catequizados pelos jesuítas. Trata-se de um Patrimônio da Humanidade visto que o local guarda uma singular história do período colonial da América do Sul.

O local tem uma impressionante presença espiritual, uma vez que foi palco de uma sangrenta batalha com as tropas espanholas e portuguesas no século XVIII. Sou espírita e compreendo que em locais assim, muitos espíritos foram desencarnados de forma violenta e repentina criando um espaço de forte manifestação espírita.

Pela tarde segui caminho em direção à Passo Fundo onde decidiria o novo rumo a tomar. Havia prometido chegar ao Rio no dia 1º de maio, contudo, queria conhecer a Serra do Rio do Rastro e São Joaquim e para isso deveria tomar a direção de Lajes em SC.

A estrada até Passo Fundo possui um trecho privatizado com asfalto em boas condições, contudo, a estrada não é um “tapete” e a moto, em velocidade mais elevada, sacudia como se fosse uma lancha em alto-mar, o que obrigava às vezes a me levantar um pouco sobre o banco para aliviar a pressão no meu “traseiro”.

Porém, um trecho na estrada logo depois de São Miguel estava muito ruim como o asfalto repleto de desníveis, que são uma armadilha mortal para um motociclista menos experiente, pois se a frente de moto passar em tais desníveis de forma não oblíqua é um tombo certo! Além disso, há um longo trecho que de forma inaceitável foi retirado uma camada de asfalto para recapeamento , provocando riscos e danos aos pneus das motos: na verdade nenhum engenheiro pensa em motos quando faz tais obras. É como se ninguém usasse tais veículos...

Esse trecho de estrada no Rio Grande do Sul não chega a ser tão monótono como na Argentina, pois a paisagem é mais bonita e ondulada, mas também possui muitas retas.

Em Passo Fundo parei para almoçar e decidir que direção tomar. Concluí que o percurso em direção a Serra do Rio do Rastro custaria no mínimo dois dias a mais de viagem, sendo certo que chegaria ao Rio apenas no dia 3 de maio.

De modo a evitar uma gritaria doméstica e familiar por conta da angústia de todos com a minha “perigosa” viagem, decidi honrar com meus compromissos e tomei o rumo de Erechim.

Assim, minha viagem de retorno ao Rio repetiu o mesmo percurso que percorri na ida ao Chile.

Cheguei em Erechim por volta das dezoito horas, e hospedei-me no mesmo hotel (Hotel Paiol Grande) que de praxe, lembraram-se de mim e fizeram perguntas sobre a viagem.

Erechim é uma agradável cidade gaúcha, fiquei assistindo televisão e navegando na Internet até a meia-noite, quando comi um sanduba próximo ao hotel e fui para cama.

Logo que cheguei ao Rio li nos jornais que Erechim passaria por um rigoroso racionamento de água. Pude constatar que não apenas no Rio Grande do Sul, mas também na Argentina que toda aquela imensa região estava enfrentando há muito tempo uma forte seca.

28/04/09 Uruguaiana- São Miguel das Missões 335 Km (dois abastecimentos).











Era preciso fazer uma nova troca do óleo. A CB 500 utiliza óleo mineral, sendo necessário um número maior de trocas de óleo: o fabricante recomenda no manual efetuar a troca a cada mil quilômetros com troca de filtro a cada três mil quilômetros. Acho isso um exagero; eu efetuo as trocas a cada três mil e troco o filtro a cada seis mil quilômetros.

Após tomar um bom café do Hotel River Plaza, dirigi-me para uma concessionária da Honda em Uruguaiana.

Na pressa eu me esqueci de levar o filtro de óleo que utilizaria na segunda troca de óleo, ou seja, levei inutilmente um trambolho por toda a viagem...

Aproveitei para lavar a moto e lubrificar a corrente e ainda mandei que instalassem o bendito contrapeso esquerdo, que teimou em cair na estrada pela segunda vez!

De volta ao hotel tinha que decidir que rumo tomar: eu havia prometido à minha mulher que retornaria no dia 1º maio ao Rio. Inicialmente eu tomaria o rumo de Porto Alegre pelos pampas gaúchos seguindo por Alegrete e aí seguiria até a Serra do Rio do Rastro em SC passando por Torres no Litoral Gaúcho. O problema é que não seria possível ver as ruínas de São Miguel das Missões, o que seria imperdoável, uma vez que cronograma na viagem de ida me impedira de parar nessa cidade.

Assim, troquei os Pampas e o Litoral Gaúcho pelas famosas ruínas. Afinal, sempre fui um aficcionado por História e aquelas ruínas guardam a rica história das missões jesuíticas, que foram destruídas por tropas espanholas e portuguesas como resultado do Tratado de Madri: que no século XVIII transferiu aquela parte do Rio Grande do Sul à Coroa Portuguesa em troca da Colônia de Sacramento no atual Uruguai.

Com a decisão tomada, segui em direção à São Borja até São Miguel das Missões, que seria um trecho curto.

O dia estava, como praticamente em toda a viagem, muito bonito e com uma temperatura bastante amena.

No início da viagem é preciso passar pelo município de Itaqui, incluindo a famosa ponte sobre o majestoso Rio Ibicuí que só permite passar em um sentido de cada vez, ficando os veículos em sentido contrário aguardando a vez: dizem que este trecho é perigoso à noite por conta dos assaltantes de carga.

O trecho no município de Itaqui é cortado por matas e fazendas, quase atropelei uma enorme serpente na estrada. Tentei voltar para fotografá-la, mas ela já havia se escondido na mata. Também cruzei por muitas aves e pequenos mamíferos cujas espécies não consegui identificar e que provavelmente deveriam ser a tentativa de "almoço" daquela cobra enorme.

Seguindo viagem, parei em um posto Petrobrás em São Borja (que eu já estivera antes para abastecer na percurso a Santiago) e os frentistas rapidamente me reconheceram fazendo uma festa com direito a limpeza da moto, totalmente coberta por odiosos insetos que insistiam em se suicidar em minha jaqueta e capacete!

Fui parado pela Polícia Rodoviária Federal. Um policial estava com um radar na mão, mas creio que me aliviou, pois eu estava a cerca de 120 Km/h e o limite era 80 Km/h.... Ao ver que tudo estava OK, eles logo ficaram curiosos com a minha longa jornada e acabei acendendo um cigarro e contando minhas peripécias do outro lado da fronteira.

Cheguei em São Miguel das Missões próximo às 17:00 horas e logo encontrei um pequeno hotel (Hotel Barrichello) onde “aportei”.

São Miguel é basicamente um lugarejo. É difícil até passar um cartão de crédito, contudo, a cidade possui algumas coisas pitorescas, pois nessa minúscula cidade de agricultores há um belo espetáculo de luzes e sons às vinte horas todos os dias, para uma meia dúzia de viajantes (não exatamente turistas).

Em São Miguel fiquei preocupado, pois, para variar, não havia almoçado e estava com pouco dinheiro, sendo que cartão de crédito ou débito era algo impossível de se usar (inclusive no hotel); perguntando ao povo local soube de um restaurante que aceitava cartão. Era o Wilson Park Hotel; um gigantesco hotel assemelhado ao um SESC totalmente vazio com um restaurante enorme com uma abóbada de uns 10 metros de altura. Foi realmente surreal jantar sozinho naquele imenso restaurante.

Soube que esse hotel existe não em função das famosas ruínas, mas sim dos turistas argentinos, que no verão seguem essa rota em direção às belas praias catarinenses.

27/04/09 San Francisco – Uruguaiana 610 Km (dois abastecimentos)




No dia seguinte fui em uma loja da Honda muito próxima ao hotel, mas infelizmente não consegui obter um pneu próprio para CB 500: tive que instalar um pneu de Twister, de perfil mais baixo, que encurtou a relação de marchas, tornando a moto mais lenta e mais beberrona.

Após arrumar a moto, o dono do hotel perguntou-me sobre os ‘destroços” que eu deixara em seu hotel: que incluía um pequeno capacete “coquinho” que sempre levo em viagens para emergências.

Pedi-lhe desculpas por ter realmente esquecido de avisá-lo que tudo aquilo era um material descartado por conta da destruição do alforje, mas naquela altura o dono do hotel já se tornara um amigo e perguntou-me com admiração como tinham sido minhas peripécias até então.

Esse seria o último trecho na Argentina, pois realmente já estava cansado de minha condição de “gringo” bem como dos meus esforços com o espanhol. Ademais, a minha carta verde expiraria em apenas três dias.

Seria um trecho relativamente longo e que seria cansativo, pois passaria dentro das grandes cidades de Santa Fé e Paraná e seguiria uma longa reta em local inóspito na província de Entre Rios até a fronteira com o Brasil.

Tentei fazer este trecho totalmente à luz do dia, mas não foi possível, pois minhas estimativas de distância falharam. Mantive um ritmo pesado com poucas paradas, contudo, o novo pneu era irritante, pois a moto ficou com o motor travado e consequentemente mais barulhenta e lenta. Acabei encontrando uma faixa de rotação entre 6250 e 6500 RPM que permitia um bom aproveitamento do motor com boa velocidade de cruzeiro, porém, quando eu “torcia o cabo” o motor facilmente alcançava os 9.500 RPM: quase o limite do CDI da CB 500.

Em um posto de gasolina próximo à cidade de Federal, encontrei um grupo de caminhoneiros brasileiros que cruzaram comigo na estrada quando os ultrapassei a mais de 170 Km/h: de quando em quando eu acelerava forte para quebrar a monotonia das muitas horas necessárias para cruzar as intermináveis retas argentinas; isso servia para dar uma injeção de adrenalina e evitar o cansaço e a desatenção.

Caminhoneiros brasileiros, sobretudo do Sul do Brasil, são comuns na Argentina e boa parte deles fala muito bem o espanhol.

Aqueles caminhoneiros também tinham vindo por Mendoza e estavam irritados com os policiais argentinos que tinham aplicado uma multa pesada em um deles. Ficaram admirados com a minha viagem e com a velocidade com que os ultrapassei.

Logo em seguida ficamos presos em mais uma chata “manifestação” que fechou a estrada. Os argentinos têm essa mania em fechar as estradas para exporem suas reivindicações. Segundo os caminhoneiros era bom não forçar a passagem, pois eles agridem com porretes e jogam “miguelitos” na estrada para furarem os pneus dos mais afoitos.

A noite caiu na estrada próxima à fronteira, os caminhoneiros disseram-me que tomasse cuidado por ali (incluindo o risco de assaltos), e acabei ficando tenso, pois a estrada era mal sinalizada e mal conservada (com muitos insetos...), com longos desvios para obras em pista de terra. Além disso, o tanque de gasolina estava quase seco, pois minha tensão fez-me esquecer de abastecer a moto em solo argentino com gasolina boa e barata.

Cheguei à aduana por volta das vinte e uma horas, felizmente, o trâmite foi rápido, fiz um câmbio honesto com os 227 pesos que me restavam e meti-me no Hotel River Plaza ao lado da aduana, no qual estivera hospedado na viagem de ida.

Brasil! Ë uma experiência muito agradável voltarmos à nossa terra após um longo período em terra estrangeira.

Estava em Uruguaiana novamente, cidade com fama de ser um pouco violenta, contudo, lá estava eu de volta à minha terra!

No hotel, o pessoal logo me reconheceu e após as costumeiras explicações sobre a viagem e “prestações de contas” à esposa por telefone, eu dei vazão ao irreprimível trinômio banho-pizza-cama!

26/04/09 Villa Mercedes – San Francisco, 450 Km (três abastecimentos).







Pela manhã, após as já tradicionais explicações sobre a viagem aos curiosos, fechei o roteiro do dia na simpática (e já bem conhecida) cidade de San Francisco. Antes fui ao caixa eletrônico e à farmácia comprar algo para amenizar as queimaduras em meus lábios adquiridas na cordilheira.

O pneu traseiro (“cobierta” para os argentinos e “neumático” para os chilenos) estava em estado crítico. As longas retas argentinas tinham achatado o pneu, agravado pelas altas velocidades que mantive no dia anterior; trocá-lo era um imperativo, pois a moto já apresentava instabilidade em saídas de postos de gasolina com pequenas e controladas derrapagens.

Como o tempo estava seco e era domingo decidi trocar o pneu no dia seguinte em San Francisco.

Esse trecho da viagem foi cansativo. A estrada nessa região é interrompida por quase uma dezena de cidades e lugarejos. Em Rio Cuarto (um cidade de porte considerável) é preciso entrar dentro do centro da cidade; ademais, a conservação da estrada nesse trecho não estava boa, entre Villa Maria e San Francisco o concreto estava muito ruim e os acostamentos tomados pela vegetação.

Para piorar, essa região da Argentina é dominada por um tradicional e grandioso agronegócio havendo, em conseqüência, uma irritante quantidade de insetos que emporcalham as calças, o capacete e a jaqueta; além de uma grande quantidade de imensas e lentas máquinas agrícolas na estrada.

O trecho não foi longo e mantive velocidades compatíveis com as condições da estrada e do pneu. Cheguei em San Francisco sem almoçar por volta das 17:30 horas e após dois abastecimentos.

Logo que cheguei à cidade parei em um posto de gasolina e conversei longamente com um argentino que me disse ter feito uma viagem de moto ao Rio de Janeiro “décadas” atrás. A notável hospitalidade do povo local logo se fez presente quando um grupo de jovens me levaram até o Hotel Americano que eu me hospedara antes.

Nesse hotel, a antipatia do dono era também repetida pela mulher que me recebeu (creio que esposa do proprietário), pois ao dizer-lhe que já tinha ficha no hotel, ele perguntou-me o “ape”j”ido (apellido); os argentinos têm a tendência em usar o J, ao contrário dos chilenos que usam um fonema próximo ao “nho (a)”. Após a dificuldade inicial com o “argentinês” daquela senhora, fui para o quarto tomar um bom banho e procurar uma boa parrillada, ou melhor, parri’j’ada...

Uma simpática senhora que conversava com a suposta dona do hotel ofereceu-se para me levar em seu carro até um restaurante do outro lado da cidade. Fiquei encantado com aquela gentileza e logo estava comendo uma bela e merecida refeição, posto que eu não tinha sequer almoçado.

Ao retornar ao hotel de táxi, a dona do hotel estava mais amável, repetindo o comportamento que seu marido tivera comigo semanas antes. Creio que o efeito de um motociclista estrangeiro e solitário entrando em um hotel seja algo um pouco assustador para algumas pessoas; um efeito que, contudo, logo se dissipa.

Dia 25/04/2009, Uspallata- Villa Mercedes, 630 Km (dois abastecimentos).




































































Acordei em uma bela e fria manhã em Uspallata, tomei o café servido pela mulher do Pepe (o simpático velhinho) que correu para desligar a calefação de 20 pesos (devia mesmo valer ouro...) e iniciei o ritual diário de arrumação da bagagem na moto.

Notei que aquele hotel recebera outros motociclistas brasileiros, pois havia alguns adesivos de motoclubes. A mulher do velhinho dissera-me que o hotel recebera um grupo de dezesseis motociclistas brasileiros e, em outra ocasião, uma dupla vinda do Maranhão.

Neste dia resolvi retornar à Cordilheira e fotografar o Aconcágua e outros locais, afinal, estava ali para curtir aquele mágico momento de liberdade na Cordilheira dos Andes.

A altitude dificultou um pouco a partida na moto. Como a mistura ar-combustível fica “rica” em altitudes elevadas, aumentei a marcha lenta e não usei o afogador. Deu certo, e novamente estava pilotando na Cordilheira dos Andes acima dos 2.000 metros.

Passei novamente pelos gendarmes que já me conheciam de véspera e fizeram umas brincadeiras comigo, uma bela gendarme morena mostrou-se curiosa e admirada com a minha viagem solitária, perguntando-me em quantos dias ainda duraria minha viagem até o Rio de Janeiro, como eu enfrentava o frio, chuva etc. Parei no acostamento para satisfazer a curiosidade dela.

Neste dia tirei a maior parte das fotos da Cordilheira, pois na véspera a chegada da noite impediu-me de fazer os registros dessa fantástica estrada sul-americana.

A Ruta 07 atinge 3.200 metros no trecho entre Uspallata e Los Andes (no Chile) e passa por uma espécie de altiplano extremamente seco por onde flui o Rio Mendoza: que é alimentado pelo degelo da Cordilheira.

Além disso, há o parque provincial do Aconcágua: o ponto culminante de todas as Américas, e algumas outras atrações com a Ponte dos Incas (que não foi feita pelos Incas e sim pela natureza).

Estava bastante frio e meus lábios já estavam bastante queimados, mas ao longo da manhã a temperatura foi aumentando.

Após a sessão de fotos ao longo de mais cem quilômetros de estrada, retomei a viagem abastecendo em Uspallata, pegando dinheiro no banco e seguindo em direção à Mendoza.

A idéia inicial seria seguir para as belas Serras Cordobezas, contudo, havia assumido um compromisso com a minha mulher e família em retornar ao Rio em 1º de maio; ademais, naquele momento estava acontecendo o Rali Dakar-Argentina em Córdoba e temi por interrupções nas estradas. Quem sabe em outra oportunidade conhecerei essa região da Argentina.

Com as curvas cordobezas dispensadas eu retornei às intermináveis retas argentinas.

Neste dia eu pegaria dois trechos longos de auto-pistas e um pequeno trecho de pista simples, pretendia dormir em Rio Cuarto , mas acabei dormindo em Villa Mercedes, após uma manifestação contra a proibição de caça na região que bloqueou a estrada no inicio da noite.

Nesse trecho longo, totalmente reto, vazio e bem pavimentado atingi velocidades bem altas, muitas vezes beirando os 180 Km/h. O ritmo foi pesado e permaneci boa parte da viagem abaixado no tanque da moto para evitar a radical pressão do vento.

Villa Mercedes é uma cidade de porte médio e tive alguma dificuldade em encontrar um hotel.

Perguntei sobre um hotel para um argentino em um posto de gasolina e ele tentou um inglês ruim, muito inferior ao meu e ao mesmo tempo pedante; arrisquei um portunhol, pois achei que seria mais simpático, afinal sou um brasileiro e não um alemão e não havia necessidade de inglês. Mas ele insistiu no seu “bad English” e ficou furioso quando eu perguntei se a “garota” que nos acenava à distância era sua filha... não era... era seu “bambino”, disse-me ele visivelmente contrariado...

Minha gafe teve um preço, pois o ‘poliglota” de Villa Mercedes deu-me propositalmente uma informação errada! Rodei inutilmente pela cidade e acabei encontrando um hotel graças às informações de outros argentinos mais simpáticos e decentes: como de regra sempre o foram comigo nessa viagem.

Hospedei-me no Hotel Lincoln e o simpático proprietário (Eduardo) recebeu-me com muito calor humano. Pedi uma pizza no quarto e após um banho meti-me na cama para dormir o sono dos justos!