domingo, 24 de maio de 2009

09/04/09 San Francisco - Desaguadero, 590 Km (quatro abastecimentos)




Acordei tendo que procurar em regime de urgência uma oficina. Tomei um café argentino “clássico” com duas “medias luas” e aquele café expresso ralo encontrável em toda a Argentina e fui ao estacionamento examinar a moto à luz do dia. Eu temia ter dificuldades em encontrar uma oficina aberta em plena quinta-feira santa.

Constatei que os danos foram realmente muito leves, apenas a seta esquerda dianteira havia quebrado e a seta esquerda traseira estava apenas solta, além disso, não apenas eu sofrera um “ralado”: a moto também estava com dois “ralados”, um no painel e outro quase imperceptível no farol: sequer tinham sido quebrados os espelhos.

Esse foi um dia especial para mim, pois pude ter uma agradável experiência com o povo argentino.

Em uma viagem como essa não há a tradicional e pasteurizada rotina turística, com aeromoça na porta do avião se despedindo, transfer para o hotel e o convívio com o circuito fechado do turismo. Em tais travessias é possível se observar de fato o povo e sua cultura.

A cidade de San Francisco é uma cidade de porte médio de descendência italiana (como eu), dominada pelo agronegócio e com uma arquitetura agradável, embora não muito preservada.

Na mesma quadra do hotel encontrei uma loja da Yamaha aberta. Entrei e perguntei como poderia encontrar um mecânico na cidade ou, se fosse o caso, fazer o serviço ali mesmo.

A loja era uma concessionária que apenas vendia motos da Yamaha, contudo, um dos funcionários logo se prontificou para me levar em uma oficina. Tive ali minha primeira experiência com a admirável hospitalidade dos argentinos.

O rapaz foi até o estacionamento comigo e montou em minha garupa, tentamos mais de quatro oficinas, todas fechadas, até encontrar uma que faria o serviço; sendo que o rapaz da loja da Yamaha foi embora a pé!!

Na oficina todos foram simpáticos, queriam saber da viagem, perguntar coisas sobre o Brasil e sobre a Honda CB 500 (um modelo raro na Argentina) e todos os reparos foram realizados de forma caprichada, além disso, troquei as duas setas dianteiras, pois apenas poderia repor a seta original quebrada com um modelo original da Suzuki GS 500.

Alguns rapazes foram à oficina conhecer o brasileiro aventureiro “acidentado” e trouxeram uma Coca-cola para mim.

Aproveitei para passar em uma farmácia e comprar o meu “Kit de reparação” para prosseguir com os curativos ao longo da viagem.

O conserto custou-me apenas 200 pesos e a moto estava perfeita para uso: apenas algumas luzes espia do painel, incluindo o termômetro estavam inoperantes, que mais tarde voltariam a funcionar espontaneamente.

Com a moto perfeitamente apta para retornar à estrada, fui para o Hotel pegar minhas coisas e fazer o check out.

O dono do hotel estava mais simpático e até ajudou-me a colocar um esparadrapo em meu cotovelo, afinal, e eu também estava muito mais bem apresentável... barbeado, banho tomado, penteado, ou seja, muito diferente da “estampa” da noite anterior...

Tive que resolver o que fazer com a parte da bagagem que não poderia ser acomodada nos alforjes. A necessidade é a mãe da invenção, e não houve outra alternativa que não fosse dispensar algumas coisas e remanejar a bagagem nos locais que ainda me restavam no tanque, no banco da garupa e no baú traseiro.

A arrumação foi satisfatória. Tudo aquilo de maior valor e necessidade foi acomodado e deixei no quarto os restos mortais dos alforjes com o conteúdo dispensado. Na pressa em montar a nova configuração da bagagem, esqueci-me de avisar ao dono do hotel que deixara propositalmente algumas coisas “descartáveis” no quarto.

Os reparos e a arrumação da bagagem consumiram toda a manhã, somente consegui sair da cidade às 13:00 horas. O dia estava claro e não fazia muito calor.

Passei pelo local da queda e senti um arrepio (quase parei para fotografar) e tomei, finalmente, o rumo de Villa Maria.

A estrada era péssima, repleta de buracos e sem acostamento, e o trecho era muito maior do que minhas estimativas iniciais com o mapa do Guia Quatro Rodas.

Nunca saberei se o acidente dentro da simpática cidade de San Francisco foi melhor do que pegar aquele trecho horrível de estrada à noite, estressado e já muito cansado...

A cidade de Villa Maria é um lixo, assim como outras pequenas cidades ao longo dessa rodovia chata e mal conservada. Devo admitir que a aquela quantidade absurda de insetos estava me causando sérias perturbações em meu humor. Sempre que eu parava em um posto era obrigado a tomar um verdadeiro banho de mangueira ou regador para remover essas criaturas desagradáveis do capacete, jaqueta e calças e uma vez de volta à estrada, em poucos minutos já estava repleto dessas criaturas nojentas.

Em Rio Cuarto fui obrigado a entrar dentro do centro da cidade e passar por ruas de comércio estreitas e engarrafadas. Parei e abasteci, e com alguma dificuldade encontrei a estrada para Villa Mercedes.

Esse trecho da estrada estava bastante cheio por conta do feriado, um argentino em um Audi A3 ficava me infernizando colado na minha traseira em todos os trechos em que eu me preparava para ultrapassar os caminhões. Acelerava para obter distância e logo aquele infeliz lá estava perigosamente grudado em minha traseira; acelerei até 180 Km/H em um trecho aberto da estrada e logo depois vi o infeliz pelo retrovisor novamente grudado! Nitidamente ele estava querendo me testar, mas eu não entrei nesse jogo infantil e perigoso, deixei-o passar e diminui velocidade de modo a não mais encontrá-lo nos trechos de ultrapassagens de caminhões.

Motoristas que grudam na traseira das motos são um perigo constante para os motociclistas, naquele caso a CB 500 tinha mais aceleração até pouco mais de 180 Km/h, mas aquele Audi tinha um pouco mais de velocidade final; eu ficaria, portanto, com aquele chato grudado na minha traseira toda vez eu realizasse ultrapassagens. A melhor política era manter distância e seguir no ritmo que julgasse mais adequado para aquela estrada.

Por ser feriado, havia muitas barreiras policiais, mas não fui parado.

Cheguei em Villa Mercedez por volta das 20:00 horas, abasteci e perguntei sobre as condições da estrada no trecho até Mendoza.

Após consultar meu novo mapa, percebi que não daria para pernoitar naquela cidade, sob pena de não alcançar Santiago no dia seguinte.

O povo local me disse que o trecho estava duplicado até Desaguadero; confirmei a informação no mapa e constatei que teria que viajar mais de 160 Km ainda.

Já estava ficando tarde e eu estava em dúvida se valia a pena manter o cronograma inicial.

Decidi arriscar, se a estrada fosse muito ruim eu voltaria e dormiria em Villa Mercedes.

Ao pegar a auto-pista em direção à Mendoza às 21:00 fiquei impressionado com a qualidade da pavimentação; além disso, a estrada era toda iluminada parecendo naquela noite escura uma ponte no meio do oceano.

O problema, contudo, era o frio. Nesse dia eu havia avançado bastante rumo ao sul do continente, portanto, havia cruzado um meridiano; sofrendo os efeitos da latitude, da continentalidade e, após a cidade de San Luis, também da altitude superior a 500 metros.

Era difícil passar dos 120 Km/ h pois a sensação térmica do frio piorava muito, estava cansado e preocupado em encontrar algum lugar para dormir.

Eu tinha feito uma reserva em Mendoza no Hotel Íbis temendo pelo feriado da semana santa, mas já estava resignado com o fato de perder tal reserva (já paga...). A auto pista terminaria em Desaguadero e eu não estava disposto a prosseguir em pista de mão dupla no meio da madrugada. Era preciso parar!

Para piorar um pouco, Desaguadero era um lugarejo mínimo; pensei comigo mesmo que teria que respirar fundo e prosseguir até a próxima cidade (La Paz), contudo, ao passar por uma barreira policial eu pedi informação: afinal, a minha neurose contra os policiais argentinos durara apenas um dia e havia sido “curada” na noite anterior em San Francisco.

Eles me indicaram um lugar a pouco mais de 100 metros do posto policial. Era uma pequena pensão; parei imediatamente e conversei com um sujeito que estava bebendo naquele estabelecimento. Ele recomendou que eu dormisse ali mesmo e chamou a dona da espelunca.

Por módicos 40 pesos coloquei a moto dentro da pensão e baixei as ancoras ali mesmo. Estava completamente esgotado, pois já passava da meia noite. Liguei para minha mulher e lhe disse que já estava hospedado a fim de tranqüilizá-la.

Foi difícil fazer os curativos naquela noite. A CB 500 tem uma posição de pilotagem com as pernas recuadas para trás, fazendo com que os joelhos fiquem bastante dobrados. Tal posição, adicionada à forte pressão do vento em horas e horas de pilotagem, fez com que o curativo anterior grudasse causando muita dor para limpá-lo. Além disso, embora tivesse confirmado a possibilidade de um merecido banho quente com a dona da espelunca, tal banho era quente, “pero no mucho”...

Após o banho e curativo fui dormir. Fora um dia cansativo, sem quaisquer atrativos turísticos ou culturais; porém, no dia seguinte eu alcançaria finalmente a Cordilheira dos Andes!

4 comentários:

  1. Cara, esse Guia Quatro Rodas é meio furado heim? Por que não usou o Google Earth?

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  2. Onde você trocou o dinheiro real por pesos? aqui no brasil ou na fronteira também?
    só este tipo de moeda que utilizou na viagem toda???

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  3. Públio, na verdade o melhor seria mesmo um GPS, mas eu sou meio "das antigas", acabei usando o incrível mapa "tabajara" da Quatro Rodas... he, he, he.

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  4. Jaque, na aduana em Uruguaiana é possível trocar reais por pesos. Troquei R$ 600,00 mais do que suficiente para esse trecho até a aduana no Chile, onde é possível trocar reais, dolares e pesos argentinos por pesos chilenos.
    Usei cartoes de crédito (mas não sao muito aceitos no interior da Argentina) e também saques em caixas eletronicos (basta pedir ao seu gerente do banco para autorizar pela rede Cirrus ou Plus). Levei também US$ 250 escondidos para emergências, assaltos etc.

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