domingo, 24 de maio de 2009

10/04/09: Desaguadero – Santiago (Cordilheira dos Andes), 530 Km (três abastecimentos).






















Acordei às 8:00 horas e iniciei o ritual de arrumação da bagagem. Não havia café na pensão e considerando que nesse dia eu atingiria as maiores altitudes da viagem, procurei reforçar o meu traje com a segunda pele para as pernas e para os pés, uma camisa de algodão de mangas compridas sobre a jaqueta e um pulôver de lã na mochila, além de luvas fechadas.

Desaguadero é um lugarejo cujas construções e a paisagem árida assemelha-se a um vilarejo mexicano. A pensão em que eu dormira era também local de descanso dos policiais do posto que me forneceram informações na noite anterior. Quem diria, não? Após temer tanto os policiais argentinos, eu acabei pernoitando ao lado do dormitório deles!

Eu estava bastante agitado, pois finalmente o objetivo principal de toda essa travessia pelo continente estava ao alcance de umas poucas horas.

Era sexta-feira santa e a estrada estava muito cheia, além disso, havia barreiras policiais com radares móveis por todos os lados e duplas de motociclistas parando os motoristas.

A estrada nesse trecho inicial é de pista simples, pois a excelente auto-pista que eu cruzara na noite anterior terminava em Desaguadero.

Procurei ficar atento para não cometer nenhuma infração involuntária, como aquelas em que, por descuido, passa-se a 66 Km/h em um trecho com radar indicando 60 Km/h. Já levei diversas multas por conta de tais descuidos e não queria que o mesmo ocorresse em um país estrangeiro.

Após cerca de 100 Km rodados a auto-pista se reinicia até Mendoza sendo que, à distância, já era possível avistar alguns trechos nevados da cordilheira fato esse que me trazia uma forte emoção e sentimento de alegria.

Mendoza é uma cidade grande, maior do que eu pensava, embora tenha passado ao largo dela pela estrada.

No desvio que indicava a entrada para o Chile um policial fez sinal para que eu parasse. Já não estava mais tão preocupado com a polícia argentina e o próprio policial ficou relutante em me pedir a documentação ao constatar que eu era brasileiro.

A checagem da documentação ocorreu sem maiores incidentes. Minha neurose com a polícia local estava definitivamente encerrada e segui em direção ao trecho final da jornada pela Ruta 07.

A Cordilheira dos Andes começava a ficar cada vez mais próxima; observei ainda, em volta da estrada, os famosos vinhedos de Mendoza em meio à paisagem árida dessa parte do continente.

A estrada estava realmente muito cheia; vi uns motociclistas argentinos subindo a cordilheira em alta velocidade com super-bikes e outros, chilenos, descendo em direção à Argentina e que faziam a tradicional saudação que os long riders fazem entre si ao se avistarem. Mais tarde eu soube que os argentinos de Mendoza e Córdoba têm o hábito de irem até Viña Del Mar no verão e feriados para curtirem uma praia, exatamente como os argentinos de Santa Fé, Paraná e outras cidades próximas costumam fazer nas praias de Santa Catarina no Brasil.

Para um carioca, não deixa de ser espantoso o trabalho que essa gente tem para dar um mergulho no mar!

Para o meu deleite esse trecho era cheio de curvas (estava farto de retas intermináveis) e a cordilheira é mesmo deslumbrante.

Logo no início da Cordilheira a menos de 2000 metros de altitude havia um local para rafting no Rio Mendoza bastante animado com um restaurante com DJ ao lado de um pessoal tomando sol em uma piscina! Não deixa de ser engraçado eu ali tomando uma Coca-cola vestindo segunda pele e outros agasalhos ao lado daquele povo curtindo o sol com roupa de banho!

Porém, a temperatura amena rapidamente se modifica após a cidade de Uspallata que se situa a 2000 metros de altitude, sendo também nesse trecho que a paisagem começa a ficar mais bela.

Ao contrário do que eu imaginava a estrada não era totalmente sinuosa, pelo contrário, há trechos de retas próximos a um local chamado “Quebrada Seca” que é um misto de altiplano e canyon no qual está situado o leito do Rio Mendoza.

A altitude começou a mostrar seus efeitos no motor da moto: não conseguia mais manter rotações acima de 6.000 RPMs, obrigando-me a redobrar atenção em ultrapassagens.

Já era cerca de 15:00 horas e não havia ainda almoçado, decidi parar em um belíssimo local onde funcionam restaurantes, hotéis e estações de esqui para almoçar.

Abri um torpedo de minha mulher informando que ela já estava em Santiago. Boa notícia! Houve total sincronia entre a minha viagem e a dela. O fato de não ter conseguido dormir em Mendoza apenas resultou em um atraso de algumas horas, pois, inicialmente, pretendia chegar em Santiago por volta das 16:00 horas.

Para ganhar tempo evitei interrupções para fotografias, afinal, eu voltaria para aquela fantástica estrada em pouco mais de duas semanas.

Ventava muito na cordilheira e a temperatura realmente havia caído significativamente, embora o frio estivesse menos rigoroso do que eu imaginava; fato esse que se modificaria bastante no retorno ao Brasil.

A moto continuava falhando em giros acima de 6.000 RPMs, mas nada que impedisse manter velocidades adequadas, bastando apenas trocar as marchas quando o motor alcançava os 5.500 RPMs.

Após cruzar o gélido e comprido Túnel do Cristo Redentor a mais de 3.000 metros parei para fotografar a placa da fronteira Argentina-Chile que, afinal, era a “prova” irrefutável da minha viagem!

Em seguida parei na aduana para os trâmites burocráticos de fronteira.

Na aduana tive que me concentrar na difícil tarefa de preencher formulários em espanhol totalmente exposto ao vento da cordilheira; um dos funcionários fez uma revista burocrática no baú da moto, quase como se fosse obrigado a fazer isso diante dos colegas. Na prática eu nem considerei aquilo uma “revista”.

Após preencher os formulários eu tive de enfrentar uma romaria de carimbos entre diversos “guichês”, que são meras barracas e boxes de fibra de vidro, sendo que em um desses há uma casa de câmbio onde troquei 70 dólares e também 40 reais que ainda restavam em minha carteira: o câmbio aqui é quase obrigatório, pois há um pedágio na aduana que deve ser pago em moeda chilena.

Guardei os pesos argentinos que ainda me restavam, uma vez que voltaria em 15 dias para a Argentina novamente.

Essa romaria pelos “guichês” fora antes de mais nada cansativa, pois a altitude de três mil metros já começava a dificultar minha respiração, que basicamente me fazia ofegar para poder efetuar uma simples caminhada.

O oficial da aduana argentina parecia estar brincando de esconde-esconde comigo, pois tive de retornar em todos os “guichês” para que ele me desse o carimbo de saída.

Com toda a documentação carimbada e pedágio pago segui viagem, agora no Chile, rumo a Santiago.

Logo após a aduana começam os famosos “caracoles”, que muitos dizem ser um trecho “muito difícil”, mas nada mais é do que uma impressionante descida repleta de curvas fechadíssimas que abruptamente coloca a estrada a menos de 2000 metros de altitude.

Os caracoles devem ser mesmo difíceis para os caminhoneiros sobretudo no inverno com a pista congelada, mas para uma moto com tempo bom não é realmente nada de mais.

A parte chilena da Cordilheira não tem muitos atrativos, pois ela está muito perto da região metropolitana de Santiago e após os “Caracoles” inicia-se uma estrada que leva a uma auto-pista.

Agora era necessário pensar em uma estratégia para entrar em Santiago, uma metrópole totalmente desconhecida por mim.

A estrada de acesso à Santiago é excelente, aliás, os chilenos estão de parabéns pelas suas excelentes rodovias, não apenas próximo a capital mas também no Sul e no Norte do país.

Ainda era dia, mas rapidamente anoiteceria. A estrada para Santiago é bonita, repleta de vinhedos e plantações de diversas frutas.

Já na periferia da Cidade perguntei a um frentista em um posto de gasolina qual era o melhor acesso ao Bairro da Providência, pois tinha observado que estava dentro de uma espécie de rodoanel que permitia rápido acesso as diversas localidades da cidade sem necessidade de se cruzar os bairros de um ponto ao outro da cidade.

De posse das informações e por volta das 19:30 cheguei ao Bairro da Providência depois de obter mais algumas informações pelo caminho.

O trânsito estava pesado, e eu já estava cansado. Em um sinal fechado perguntei para um taxista se ele queria me levar ao hotel. Ele concordou, ligou o taxímetro, deixei o endereço com ele e o segui até a Hotel.

Minha mulher ouviu o motor da moto e desceu para me receber; foi realmente muito emocionante revê-la após cinco dias intensos cruzando o continente sul-americano.

Era difícil acreditar que estava dentro de Santiago com a minha própria moto! Isto porque, apesar da distância , uma viagem como essa nada mais é do que uma sucessão de dias em que a rotina de pilotagem somente é quebrada quando se está abastecendo, comendo e dormindo, ou seja, tudo se resume em acordar, pilotar, abastecer, comer e dormir.

É um pouco difícil de explicar, mas a sensação era apenas de ter conhecido a Cordilheira dos Andes e não de ter cruzado o continente.

Assim, às vinte horas eu concluí esse formidável trecho da viagem.

No quarto do hotel fiz a “grande revelação do dia”. Mostrei para minha mulher as recentes “tatuagens de estrada”... Ainda bem fresquinhas!

Ela ficou horrorizada, mas compreendeu os motivos pelos quais eu omitira tal acontecimento; afinal, não valia a pena deixá-la preocupada por dois dias por conta de um fato sem qualquer gravidade.

O Hotel Providência era ótimo, fica em uma rua calma em um bairro repleto de serviços e muito elegante. Coloquei a moto na garagem para poder tomar um merecido banho, para depois darmos um passeio a pé e então jantarmos.

No dia seguinte já havíamos contratado um tour pela cidade: era tudo o que eu queria; entrar em um ônibus, ficar fotografando e ouvindo as tradicionais explicações ufanistas sobre o país feitas pelos guias.

8 comentários:

  1. Muito legal! É que estou com sono agora, mas quanto tempo vc levou exatamente para cruzar os Andes então?

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  2. A Estrada pode ser cruzada em dia apenas no trecho entre Mendoza e Santiago. O problema é a aduana, na volta eu perdi muito tempo pois vários ônibus estavam sob revista; acabei tendo que rodar na cordilheira à noite.

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  3. Quais os documentários necessários para um viagem desta de moto???

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  4. Não há necessidade de passaporte: uma carteira de Identidade é suficiente, desde que não tenha sido expedida há muito tempo.

    A moto não pode estar alienada, pois nesse caso é preciso uma autorização.

    É preciso contratar seguro contra terceiros para rodar na Argentina (Carta Verde), que é barato e pode ser tirado nas fronteiras e mesmo na argentina: basta procurar um corretor de seguros.

    No Chile é necessário a Habilitação Internacional, que pode ser tirada no Detran de qualquer estado, bastanto pagar um taxa.

    No mais, é importante guardar bem os documentos obtidos e carimbados na Imigração da Argentina e do Chile, a fim de poder entrar e sair desses países sem maiores problemas.

    Abraço.

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  5. Alberto, eu minha namorada estamos pretendendo iniciar uma viagem dessas no dia 26/12. Você pode me esclarecer as "tatuagens da estrada" que menciona no texto?

    Fico agradecido.

    e-mail:luiz3.14159@uol.com.br

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  6. Luis, trata-se de uma figura de linguagem apenas, eu ocultei o acidente ocorrido em San Francisco da minha mulher, somente exibindo-os no Hotel rssss.

    Fico feliz em saber de sua viagem, é inesquecível, qual trajeto pretende tomar?
    Abraços

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Somente uma dica para futuros pesquisadores, o veículo não pode ser alienado na opção leasing. Neste caso precisa de autorização da financeira. Quanto ao cdc, não é necessário, mas o veículo tem de estar em nome de um dos ocupantes do veículo. Fiz uma viagem parecida em 2011, fui de carro alienado ao cdc, cruzei cinco países, não tive problema, quanto aos outros documentos, carta verde , carteira internacional de habilitação, não me pediram em lugar nenhum, mas não deixem de levar. Além da Argentina e Chile, para quem acrescentar no roteiro o Peru e Bolívia, que foi o meu caso, é necessário a vacina contra febre amarela. Tome a vacina em qualquer posto de saúde com antecedência mínima, de duas semanas até a data da viagem, depois vá com o cartão de vacina, até uma unidade da ANVISA, para retirar seu cartão internacional de vacina.
    Estou pesquisando para retornar em 2014 de moto. Não decidi ainda qual moto será, Falcon, xt 600 ou 660, acabei de acrescentar a Cb 500 na lista, só tenho receio quanto a altura dela para o meu tamanho já que tenho 1.89 de altura. Parabéns pelo blog me senti nas cordilheiras novamente. Tenho um sonho de ir até o Caribe Venezuelano, isso para 2015 ou 16. Se te animar? Abs.

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